Questão 1
(Unemat) Leia o poema "As lições de R. Q.", de Manoel de Barros, abaixo transcrito, e resolva o que se pede.
Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo [...]
Considerando no contexto das tendências dominantes da poesia de Manoel de Barros, no Livro sobre nada, pode-se afirmar que, neste texto, o "eu lírico" vê o mundo como:
A) Oportunidade de manisfestar seu desapego tanto pelo sagrado como pelo profano.
B) Ânsia de integração em uma sociedade em que o sujeito só é reconhecido pela excentricidade e estranheza.
C) Transfiguração do mundo, que corresponde à experiência dos próprios sentidos.
D) Frustração, uma vez que o artista é um derrotado, e Deus, uma ameaça.
E) Esvaziamento do sentido de Arte, de Natureza e da ausência de sonhos.
Questão 2
Equipe Inep (2010)
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
BARROS, Manoel de. O apanhador de desperdícios. In. PINTO, Manuel da Costa.
Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 73-74.
É próprio da poesia de Manoel de Barros valorizar seres e coisas considerados, em geral, de menor importância no mundo moderno. No poema de Manoel de Barros, essa valorização é expressa por meio da linguagem
A) denotativa, para evidenciar a oposição entre elementos da natureza e da modernidade.
B) rebuscada de neologismos que depreciam elementos próprios do mundo moderno.
C) hiperbólica, para elevar o mundo dos seres insignificantes.
D) simples, porém expressiva no uso de metáforas para definir o fazer poético do eu lírico poeta.
E) referencial, para criticar o instrumentalismo técnico e o pragmatismo da era da informação digital.
Questão 3
Auto-Retrato Falado
Manoel de Barros
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
O poema apresenta características do gênero narrativo. Assinale qual alternativa indica os trechos que evidenciam esses traços.
A) “Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.”
B) “Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.”
C) “Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.”
D) “Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.”
E) “Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do
chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios."
Questão 4
Sobre o autor Manoel de Barros, é correto afirmar que:
A) Há uso de vocabulário coloquial e de uma sintaxe pautada na oralidade.
B) A poesia de Manoel de Barros não é uma leitura fácil, visto que as possibilidades de comunicação são dificultadas pelos neologismos.
C) Em sua poesia não há reflexões voltadas para os seres humanos em relação com a natureza e a linguagem.
D) A arte literária de Manoel de Barros não procura transfigurar a realidade.
E) A metalinguagem não é uma característica da poesia de Manoel de Barros.
Resposta Questão 1
Alternativa C.
A ideia de metamorfosear o real, ver com olhos livres de “pré-conceitos”, é uma das principais características de Manoel de Barros.
Resposta Questão 2
Alternativa D.
A linguagem da poesia não é denotativa (A) ou referencial (E), pois não se relaciona, respectivamente, com o sentido literal das palavras e com a representação do mundo com foco no próprio mundo, mas, sim, na visão que o autor tem em relação a ele.
Em relação às alternativas (B) e (C), “rebuscada” e “hiperbólica” não são características da poesia de Manoel de Barros. O autor é sempre muito claro em sua escrita, mesmo que neologismos e metáforas estejam presentes em suas obras.
Resposta Questão 3
Alternativa E.
Uma das particularidades do gênero narrativo que aparecem no poema de Manoel de Barros é a apresentação de alguns fatos em uma sequência temporal (como se fosse um enredo em funcionamento), assim como ocorre quando contamos uma história.
Resposta Questão 4
Alternativa A.
A marca de oralidade no fazer poético de Manoel de Barros é uma das principais características do autor. Esses recursos são ferramentas utilizadas pelo escritor a fim de que as possibilidades expressivas e comunicativas sejam, de fato, acessíveis a todos.